Às tantas ainda cai o Carmo e a Trindade

Vai que não vai, vou tendo consciência das minhas dificuldades em escrever. Escrever depressa, uma lástima, não sou capaz, tudo para mim são obstáculos. Ele é o vocabulário e o ritmo e o enredo e o diálogo e o significado (sufixos, nem vê-los por perto!), até o comprimento das frases e a repetição das palavras me atrapalham. Adiante. Se eu estava a dormir ou a sonhar, isso eu não sei, sei que dizia alto o que eu pensava sobre a minha dificuldade em escrever quando, sem tem-te nem mas, uma fada intempestiva me provocou: dormir e sonhar, meu caro, não é o mesmo; exemplo, eu, linda de dormir, acabei de tomar um banho, um banho daqueles muito eu e mim, um banho longo, de água quente quentinha e de sabão perfumado, céus, e já estou recostada nas minhas almofadas lindas, grandes (brancas, branquinhas, rechonchudinhas, minhas), saboreando memórias (uhm, uhm,uhm!), amanhã é dia de vestido verde musgo. Ripostei: sempre a mesma, aparece sempre e só quando lhe dá na real gana, será que não se apercebeu da minha dificuldade em escrever? E amanhã é dia de vestido, porquê? Ciumeirinha ternurenta a sua, trauteou em adaggio cantante, só pode ser, mas agora não é hora para parlapié de loja dos trezentos, já estou a catrispicar os meus olhos de sono, palavra que estou, acabe lá o seu solilóquio. Deixei de pensar. A minha cabeça não era minha, era moinha. Amanhã é dia de vestido verde musgo (o quê, como, porquê?!), que quereria ela dizer, passa à frente, invectivei-me, dizias que te irritas com a desarmonia dos sons e das preposições irrelevantes e com as atrapalhadices dos ignotos pronomes possessivos, dizias que andas preocupado com o modo bilingue e trilingue do teu raciocínio... Acalme-se, meu caro, ainda a consegui ouvir antes de adormecer, acalme-se, confirme que sonhar e dormir não é a mesma coisa; cuide-se e, cuidado e muito cuidadinho, não se estatele ao comprido, tu queres lá ver, às tantas ainda cai o Carmo e a Trindade, vida, Santo Deus, o que eu passo consigo!

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