Especialistas distraídos e teorias da comunicação

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Os especialistas em teorias da comunicação, em Portugal, (parece que) andam algo distraídos… Num tempo em que se desenvolvem, por esse mundo fora, estudos (suportados por investigação empírica) sobre os meios de comunicação de massas (sobre a internet especialmente) e sobre o comportamento dos indivíduos online - a internet (é pacífico e consensual) trouxe mudanças significativas em todas as áreas da vida social e humana – foi eleito Presidente da República Portuguesa (logo na primeira volta das eleições) um líder de opinião: Marcelo Rebelo de Sousa. Carisma pessoal e competência jornalística, saber (e saber-estar) alardeado e especulação quanto baste, empatia inata e emoções à mão de semear, proximidade e distância: da política e da religião (traço e aura), boa imagem e presença assídua e regular (mesmo dia, mesma hora) na televisão portuguesa, foram a chave (materializada numa campanha eleitoral "feita a pé" e de "olhos nos olhos" e de "igual para igual"...) que influenciou a opinião pública e que determinou o sentido do voto em jeito de “promessa a cumprir”...
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Este facto, estranho à luz da evolução das novas teorias da comunicação (na era de novas tecnologias de informação e comunicação), serve como ponto de partida para uma aproximação ao aparecimento de algumas teorias da comunicação: não só (1) recorrendo a três artigos que relatam estudos de investigação com carácter empírico: (i) “Capitalizing on the Internet – Social Contact, Civic Engagement, and Sense of Community” (2002); (ii) “Public Connection through Media Consumption: Between Oversocialization and De-Socialization?” (2006); (iii) “The internet as a cultural forum: Implications for research (2011) quanto (2) carregando a precaução de saber que a interacção televisão-écran-espectador deve ser considerada no contexto social em que acontece, ou seja: o mero reconhecimento de que vivemos numa “sociedade em rede” (marcada pela conectividade entre esferas públicas e privadas), não permite perceber com clareza as formas e acções dos variados elementos que interagem nesta sociedade em rede... Importa (aqui) destacar um interessante texto de Elisenda Ardévol e Eva Pinyol: a domesticação da internet...
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No primeiro artigo ((trata-se de um artigo inserido num estudo mais vasto, este: “Barry Wellman and Caroline  Haythornthwaite (Eds.) (2002). The Internet in Every Day Life. Oxford, UK: Blackwell, Forthcoming (2002)-  Parte IV – The Internet in The Community )) os autores[1] partem de uma pergunta-hipótese: a internet[2] aumenta, diminui, ou complementa o capital social?... Qual então o caminho a percorrer? Interrogam-se, e decidem que o caminho será analisar comportamentos de pessoas em contextos de interacções mais vastos, olhando para (e sob) três formas de capital social: (i) capital em rede (frequência de contactos como amigos e colegas de trabalho); esta é a parte privada da comunidade; (ii) envolvimento cívico (participação em organizações de voluntários, em grupos políticos…); (iii) sentido de comunidade (o capital social é mais que interacção interpessoal e envolvimento cívico, ou seja, quando as pessoas sentem uma pertença forte à comunidade, apropriam e mobilizam melhor o seu capital social); esta é a parte atitudinal da comunidade). A metodologia escolhida para responder à pergunta, sustentada pelas três formas de capital social, foi garantida pelo recurso a uma extensa “web survey” de visitantes norte americanos e canadianos ((visitantes dos Estados Unidos (17, 711 - 88%) e do Canadá (2364 – 12%)) do website da “National Geographic Society”, em 1998. Esclarece-se que (em 2001) os dados (da “web survey”) já teriam sido objecto de uma análise preliminar: (i) descrevendo com mais pormenor os utilizadores da Internet; (ii) medindo melhor a utilização do uso da Internet; (iii) comparando os contactos online e offline; (iiii) corrigindo análises que tinham feitas sobre o sentido de comunidade.
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No segundo artigo (2006) os autores[3] têm como objectivo: apresentar os resultados do desenvolvimento de um projecto “Public Conection” (2003/2006), revisitando (semelhanças e diferenças) com os resultados de um estudo clássico “Personal Influence” (1955) de Katz and Lazarsfeld. (Registe-se que, neste estudo de 1955, os seus autores apresentaram uma teoria da opinião pública que sustentava que os indivíduos eram mais influenciados pelos líderes de opinião que pelos meios de comunicação: a teoria dos dois passos (“two-step-flow”). De acordo essa "teoria dos dois passos", um pequeno grupo de indivíduos - com determinadas características de personalidade - agia como intermediário entre os meios (de massas) de comunicação e a sociedade, fazendo com que a comunicação se concretizasse em duas etapas (considere-se que esta teoria pôs em causa (anulando-a) a “teoria hipodérmica” desenvolvida por Lasswell (1927). Sistematizando... O artigo pretende, então, analisar com segurança[4] se a forma como os hábitos (partilhados e participados) de consumo de meios de comunicação influenciam ou não a orientação dos cidadãos do Reino Unido para o envolvimento na vida pública e política: especificamente, analisam-se redes de interacção social e (e em) contextos discursivos.
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No terceiro artigo (2011), de algum modo, seguem os autores[5] o mesmo procedimento metodológico escolhido pelos autores do artigo anterior: revisitam o modelo proposto por Horace Newcomb e Paul Hirsch (1983) para estudar a televisão como um fórum cultural na sociedade americana, e adaptam a metodologia de análise, tendo presente o desenvolvimento da internet na última década[6]. Sintetizando: (i) partem de um modelo de internet que compreende géneros de comunicação diferentes (um para um, um para muitos, muitos para muitos); (ii) apresentam a base empírica do estudo; (iii) sugerem que, mesmo considerando que os sites das redes sociais e os blogs (por exemplo) atraiam muito público, os utilizadores dos meios de comunicação se sentem mais motivados para formas de comunicação de interacção pessoal... Assim sendo, aparentemente, a grande inovação que a plataforma (digital, ubíqua e assíncrona) internet constitui (enquanto facilita e promove a horizontalidade das relações entre produtores e consumidores de informação e multiplica as fontes de informação) é a efectiva possibilidade de construir conhecimento em rede, essencialmente ao nível do indivíduo, potenciando laços frágeis. Considere-se que a internet (com o seu relativo anonimato) pode transformar-se numa espécie de laboratório onde os indivíduos também podem assumir expressões diferentes da sua forma de ser e de estar na vida: e/ou até desencadear processos de cyberbullying e de cybercrime... Poderá esta inovação (internet) ser uma base material para a melhoria da participação democrática? É uma pergunta que sobra e que continua sem estar devidamente esclarecida, mesmo tendo presentes quer os efeitos sociais da comunicação mediada (e mediatizada) quer os efeitos do activismo moderno de acção colectiva.
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Nos anos trinta do século passado (por influência do behaviorismo) pensava-se que as mensagens eram directamente recebidas e aceites pelo receptor. Ao longo dos anos seguintes, várias foram as teorias que foram aparecendo, explicando, por exemplo, que os indivíduos eram mais influenciados pelos líderes de opinião do que (directamente) pelos meios de comunicação... Até que (nos tempos que correm) recorrendo a modelos matemáticos, se teoriza e se fala de estigmergia: trata-se de um termo concebido (em 1959) pelo biólogo Pierre-Paul Grassé (1895-1985) para descrever os mecanismos de coordenação entre múltiplos agentes (intercâmbio de comunicações num determinado contexto relacional); atente-se que na origem filológica da palavra estigmergia estão duas palavras gregas (“stigma”- signo e “ergon”- acção)... 
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Os especialistas em teorias da comunicação, em Portugal, andam mesmo algo distraídos… Se se atentar na constituição (com relevo para o perfil (presente e passado) das personalidades escolhidas pelo próximo Presidente da República) do futuro Conselho de Estado - Órgão Consultivo do Presidente da República – testemunharão que, num genial passe de mágica (mérito do Presidente eleito), a comunicação em redes relacionais da Presidência da República, não será bidireccional mas multidireccional: na linha dum fenómeno (sistema complexo de auto-eco-organização) descrito como “swarming”[7]... Esta questão é tanto mais importante quanto se percebe bem que ao próximo Presidente da República de Portugal está reservado um papel político muito importante. Seja: terá que liderar um projecto de esperança para Portugal na Europa e no Mundo (com atenção redobrada para a actual fase política de governo da República), por um lado, e terá que, por outro lado, promover a regeneração do sistema partidário português (não terá sido por acaso que a sua eleição, distanciada dos partidos, não passou ao lado dos partidos) reconciliando os portugueses com a política e com a democracia. Que forma (que formas, melhor dito) revestirá a comunicação - mediatizada - do novo Presidente (e da Presidência) da República Portuguesa com as portuguesas e com os portugueses (em Portugal, na Europa e no Mundo)?... Se se confirmar que todo o actual desenho político mostra que já está no seu início a "IV República Portuguesa", então os especialistas em teorias da comunicação, em Portugal, andam mesmos distraídos.

Referências
Bauman, Z. (2006). Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. (C. A. Medeiros, trad.). Lisboa: Relógio D´Água Editores.
Bourdieu, P. (1986). “The forms of capital”. En Richardson, J.G. (Ed.), Handbook of theory and research for the sociology of education. New York: Greenwood.
Burt, R. S. (1999). “The social capital of opinion leaders,” Annals of the American Academy of Political and Social Science, 566, 37–54.
Castells, M. (1996). The rise of the network society. Oxford: Blackwell.
Edwards, S. J. A. (2003). Military history of swarming. En Proceedings of Swarming: Network Enabled C4ISR, Tysons Corner, VA, ASD C3I
Katz, E. and Lazarsfeld, PF. (1955) Personal Influence. Glencoe, IL: Free Press
Katz, Elihu (2006). Lazarsfeld’s legacy: the power of limited effects (pp. xv-xxvii), en Lazarsfeld, Paul y Katz, Elihu (Aut.) Personal influence. Nueva Jersey: Transaction.
Livingstone, S. & Helsper, E. (2007). Gradations in digital inclusion: children, young people and digital divide. New Media & Society, 9, 671-696.
Livingstone, S., Ólafsson, K. & Staksrud, E. (2011). Social networking, age and privacy, Short report. ISSn 2045-256X. London: LSE.
Putnam, R. (2000). Bowling alone. New York: Simon & Schuster.
Sanz Martos, S. (2012). Comunidades de práctica: el valor de aprender de los pares. Barcelona: Editorial UOC.
Watts, D and Dodds, P. S. (2007). Influentials, networks, and public opinion formation. Journal of Consumer Research, 34, 441-458.
Wellman, B. (2001). Physical place and cyber-place. International Journal for Urban and Regional Research, 25, 227-52.



[1] Anabel Quan Haase (Faculty of Information Studies, University of Toronto), Barry Wellman (Centre for Urban and Community Studies, University of Toronto), James Witte (Department of Sociology, Clemson University), Keith Hampton (Departement of Urban Studies and planning, MIT).
[2] Internet use is not a uniform activity: People engage in both social and asocial activities when online. On the one hand, the Internet is a tool for solitary activities that keep people from engaging with their communities. On the other hand, not all online activities compete with offline interactions. The time people save because they shop online may be spent in socializing offline with family and friends.
[3] Nick Couldry (Golsmiths College, University of London), Tim Markham (Birkbeck College, University of London).
[4] Our research questions in the Public Connection Project is best explained in terms of two connected and widely made assumptions about democratics polititics that we have been trying to “test”. First, in a “mature” democracy such a Britain, most people share na orientation to a public world where matters of common concern are, at least should be, addressed (we call this orientation “public connection”). Second, this public connection in focused principally on mediated versions of that public world (so that “public connection” is principally sustained by a convergence in what media people consume, in other words, by share dor overlapping shared media consumption).
[5] Klaus Bruhn Jensen (Department of Media, Cognition and Communication, University of Copenhagen), Rasmus Helles (Department of Media, Cognition and Communication, University of Copenhagen).
[6]Twenty-five years ago, Horace Newcomb and Paul Hirsch proposed a model for studing television as a cultural fórum, as the most commun reference point for public issues and concerns, particulary in American society. Over the last decade, the internet has emerged as a new communicative infrastructure and cultural fórum on a global scale….”.
[7] Provém da palavra inglesa “swarm” que significa enxame (de abelhas). O conceito de “swarming” não é novo, pois é utilizado (há séculos) para descrever o comportamento de sistemas biológicos, especificamente o comportamento: das abelhas, das formigas e das aranhas…, e também da táctica militar (algumas guerras importantes estão já estudadas, sob a perspectiva de terem desencadeado ataques convergentes e  planificados, e desenvolvidos por unidades inteligentes e autónomas...).

Nota final (importante) em rodapé 
As imagens/figuras foram retiradas daqui...

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