Olhei-a de soslaio, estava coradíssima!

Acredite porque é verdade, eu tenho a certeza que é verdade, a vida para mim é uma perpétua surpresa, pois não é?… Fim de tarde de um dia quente e a única fada que se marimba para tudo quanto não seja elegante, ar altivo e encavalitada (esguia e curvílinea) em sandálias-cobra “fabulásticas”, rosto sorridente, cabelo apanhado, óculos finos apoiados em sorriso fácil, assim me interpelou sem mais nem quê. Talvez, quem sabe, pedi-lhe-sem rodeios, talvez me pudesse dizer do que se trata. Claro que sim, meu caro, claro que digo, sussurrou enquanto se sentava, glamorosa (de beleza e outros predicados adornada), numa cadeira longa do seu terraço com água no horizonte: a pele, além de uma barreira protectora, é um órgão social em que o tacto tem um valor inestimável. Como é que foi que disse? A pele é um órgão social? Reclamei. Disse o que ouviu, ora essa! Digo-lhe de uma outra forma, explicitou, que o tacto (diferentemente dos outros quatro sentidos) está repartido por todo o corpo; entre seis e dez milhões de sensores tácteis (imagine só!) recolhem informação valiosa quer do interior quer do exterior do nosso organismo; e os sensores (trocou os óculos finos por uns outros de massa preta como quem diz "sei do que falo") que recolhem a informação interna, estão localizados nos músculos, tendões e articulações, e permitem-nos manter o equilíbrio e caminhar; mas, martelou as palavras, a maioria dos receptores encontra-se na pele e com maior abundância na ponta dos dedos, à volta da boca e nas zonas erógenas. Tão segura estava do que dizia, que eu, a medo, lhe perguntei se poderia existir um "tacto afectivo". Nem me deixou continuar.... Não acredito no que estou a ouvir, disparou com a felicidade a florir-lhe nos lábios, não acredito que por triz se tenha aproximado da verdade, a verdade de que tenho a certeza que é verdade, seja: é verdade que existem sistemas cerebrais que processam esse tacto afectivo de que fala, são eles que nos permitem apreciar uma carícia. Olhei-a aparvalhado, perdi as estribeiras e, aconchando as minhas mãos, alisei o seu rosto lindo em movimentos suaves e lentos, implorando-lhe que fosse mais precisa. Gosto destas suas carícias de fim de dia, meu caro, ciciou, aqui no meu terraço de amores-perfeitos; e, de novo lhe digo que é mesmo verdade o que o Francis McGlone me garantiu: as carícias que põem em funcionamento o sistema de recompensa do cérebro transmitem-se da pele até ao cérebro por meio de nervos cuja velocidade de condução é muito lenta; e estas fibras nervosas tácteis têm uma quantidade baixa de percepção para o tacto e os receptores que as activam localizam-se exclusivamente na pele hirsurta.... Ainda eu procurava desvelar o significado de pele hirsurta e já ela se me dirigia, em festa de riso solto e luz entornada pelo corpo todo: saiba que também adoro, meu caro, carícias demoradas num lugar muito especial da minha feminina pele hirsuta; saiba que nesse lugar tudo palpita e se dilata, e é nele que se concentra o desejo palpitante do (con) tacto afectivo... A minha respiração ficou embargada na garganta, arrebatei-me em calores acesos por dentro e, subitamente, fez-se um clique... E ela perguntou como quem adivinha pensamentos, deixando o seu rasto em cada sílaba e sem receio da insurreição da carne: quer lá ir? Olhei-a de soslaio, estava coradíssima!

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