Ao pôr-do-sol

Assustou-me – disse a minha fada prazenteira, com um sorriso ténue a encimar as linhas-curvas de um elegante vestido verde-garrafa. Nunca encontro ninguém por aqui. O que é que lhe deu para vir passear para estas bandas? Veio para se encontrar comigo? Era impossível não notar que ela se sentia menina mimada e fresca. Vim, claro que vim encontrar-me consigo, retorqui com um certo embaraço. Não é verdade que me convidou para apreciar o pôr-do-sol junto de si? Esqueceu-se? Espero que não esteja aborrecida. Sinto-me satisfeita por ter vindo, há muito que desejo ter uma oportunidade para falar consigo, disse ela muito simples e muito séria (que diabo se terá passado, pensei comigo), continuando a caminhar, como quem deseja que a acompanhem. Vamos então apreciar os quatro minutos que dura o pôr-do-sol, concluiu. Chegamos (de mãos dadas) perto do rio/mar e o sol ainda ia alto. Tirei uma caixa do meu bolso e abria-a. Quando ela viu uma sua antiga imagem de cabelo apanhado e um olhar estranho e sonhador (era uma aguarela-menina e até parecia de muito merecimento) exclamou, corada de prazer com a luz a arder-lhe nos lábios: Jesus, Maria! – Que menina tão estranha eu era; ainda me lembro de andar vestida assim e recordo muito bem esse meu vestido às pintinhas; e hoje acha que eu sou aquilo que gostava que eu fosse? O seu velho desejo inato de se sentir apreciada e de ser admirada, ressurgia de pescoço a altear-se. Fiquei a olhar para ela, calmamente, e respondi que não. A luz esmoreceu no seu rosto lindo e, delicada, baixou as pálpebras e não virou a cabeça… Eu, lentamente, segredei baixinho no seu ouvido direito: tornou-se muito mais bonita do que alguém poderia imaginar. Verdade? – Perguntou-me de olhos-bogalhos às portas da alegria. Olhou em frente para se adaptar à ideia e, de olhar franco e brilhante, rindo-se feliz, garantiu-me que os quatro minutos destinados ao pôr-do-sol se tinham esgotado e que o sol se tinha ido embora para não nos perturbar, enquanto me segredava: não conte do meu vestido que tiro pela cabeça e nem do meu vestido que deixo cair todo. Agora sei o que aconteceu. Vivi, numa tarde de início do Verão, quatro curtos minutos de embalo… Ao pôr-do-sol.

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