Amnésia, Justiça e Património Imaterial

1. Abrir o tema
Está ainda hoje por explicar o facto de, relativamente a acontecimentos relacionados com abusos sexuais que ocorreram e em que estiveram envolvidos alunos da Casa Pia de Lisboa nos anos setenta e no início dos anos oitenta do século vinte, se ter desencadeado uma espécie de amnésia colectiva (ou uma espécie de conspiração de silêncio)[1]
Conhecer as causas desta amnésia é algo que merece um estudo aturado porque esse estudo poderá revelar dados importantes sobre a mentalidade da sociedade portuguesa na segunda metade do século vinte. E, especificamente, pode permitir entrever quer o papel do esquecimento e da memória  (no sentido nietzschiano) na origem da moral quer a importância do ressentimento  (na forma de o entender de M. Ferro), da mesquinhez e do espírito vingativo enquanto motores da história.
Esse estudo aturado, centrado sobre a actividade da Casa Pia de Lisboa, deverá orientar-se por épocas distintas localizadas no tempo. Numa primeira fase, o tempo das Provedorias de J. Francisco Rodrigues (anos anteriores a 1974)[2], Correia de Barros (1974), Pereira Neto (1975/1976)[3], Peixeiro Simões (1976/1981), Baptista Comprido (1981/1982)[4]Damasceno Campos (1982/1986). Numa segunda fase, o tempo das Provedorias de Luís Rebelo (desde Abril de 1986 até Novembro do ano de 2002[5], data em que foi demitido através da televisão pelo ministro que detinha a tutela da Casa Pia de Lisboa, Bagão Félix) e de Catalina Pestana (2002/2007). Iniciemos uma aproximação à importância desse estudo, narrando factos documentados das últimas duas Provedorias, para perceber a importância de ser necessário formular as questões pertinentes e correctas para que possam garantir segurança ao percurso de investigação a fazer. As duas últimas Provedorias (que correspondem à segunda fase do estudo) têm uma importância vital porque uma e outra - reconheça-se - quiseram imprimir formas próprias de estar à Casa Pia de Lisboa.
 É bom ter presente e não esquecer que na última Provedoria - a de Catalina Pestana - foi publicado o Despacho nº 2875/2005 (DR 2ª série), assinado pelo Ministro Fernando Mimoso Negrão (Ministério da Segurança Social, da Família e da Criança) que aprovou na generalidade o Relatório do Conselho Técnico Científico da Casa Pia de Lisboa e que definia os eixos de orientação para um ciclo de transição de quatro anos na Casa Pia de Lisboa tirando partido da crise institucional do ano de 2002 relacionada com o denominado processo de pedofilia que sobre ela se tinha abatido. Nesse despacho ministerial lê-se textualmente: “II – No que se refere às seis propostas para refundar a Casa Pia de Lisboa, que me parecem inquestionáveis e de acordo com os considerandos do relatório que reforçam a necessidade de “mudar com determinação” e “garantir a motivação de todos os trabalhadores”, no respeito pela identidade e percurso da Casa Pia de Lisboa e face ao diagnóstico e propostas apresentadas, importa iniciar o ciclo de transição. Este processo, cuja duração prevista é de quatro anos, deverá ser enquadrado pelas propostas no relatório e considerando os seguintes eixos estratégicos: a) Criar alternativas de qualidade para crianças e jovens que não podem viver com a família; b) Promover intervenção precoce junto de crianças e jovens no âmbito da educação básica; c) Potenciar a oferta de ensino profissional activando protocolos de cooperação com o sector empresarial e o ensino superior; d) Dinamizar de forma sustentada a intervenção técnica e educativa junto de crianças e jovens surdos e surdocegos.”
Este despacho deu origem a um projecto (sustentado, calendarizado e dotado de uma equipa de gestão) de reestruturação da Casa Pia de Lisboa num ciclo de quatro anos que mereceu a aprovação total da Provedoria de Catalina Pestana e que por razões que brevemente serão explicitadas, não foi posto em prática.
2. Aproximação à Provedoria de Luís Rebelo 
A partir o ano de 1985 (ano da publicação de uma nova Lei Orgânica (ler AQUI) - a Casa Pia de Lisboa é um Instituto Público - ), deu-se continuidade, na Casa Pia de Lisboa, a uma reforma da Instituição iniciada anos antes e na sequência de uma "revolução interna" aquando do 25 de Abril de 1974 (essencialmente a partir de 1979/80/81), tentando responder e agir de acordo com uma realidade social diferente e antecipando muitas medidas sociais e educativas (das quais se destaca a reposição do ensino profissional em Portugal e a desmassificação do internato). Nada de admirar portanto que, tendo presente a matriz da Casa Pia de Lisboa que implica prevenir e antecipar, desde o ano de 1985 em diante (foi agraciada com a "Ordem de Instrução Pública" no início dos anos noventa)[6], a Casa Pia de Lisboa tenha sido considerada uma Instituição de referência no acolhimento de crianças e jovens carenciados, destacando-se[7]:
 -  o acolhimento a crianças e a jovens de origem africana, o alargamento sustentado da oferta de ensino técnico e profissional, a activação de uma pluralidade de actividades de despertar cultural (do desporto, à música e ao teatro), a dinamização de um projecto que conduziu à publicação da primeira gramática da língua gestual portuguesa, a participação em projectos  europeus nas áreas de educação e ensino, a concepção e dinamização do projecto de recuperação  da Casa Pia de Luanda (no âmbito da cooperação portuguesa com os países lusófonos), a recuperação de velhos edifícios, a construção de Lares/residências, a construção da Escola Agrícola do Arrife e da Colónia de férias da Areia Branca, a construção do Centro Cultural Casapiano e a construção em Portugal da primeira Escola para crianças e jovens surdocegos em Portugal; a valorização e a rentabilização do vasto património imobiliário da Casa  Pia de Lisboa onde, por exemplo, se destaca a Praça de touros do Campo Pequeno em Lisboa. 
Porém, no mês de Novembro do ano de 2002, jogos internos de poder associados a projectos pessoais e não institucionais (tenha-se presente que já no ano de 2000 havia uma especial preocupação na Casa Pia de Lisboa com casos problemáticos de educandos e alunos[8]), aliados ao ressentimento[9] de alguns e à intenção de jogar o jogo do poder[10] por parte de outros e ainda um interesse inusitado no património (a título de exemplo significativo, obras de arte e a Praça de touros do Campo Pequeno) da Casa Pia de Lisboa[11]), tenham desencadeado uma crise interna. (Um dos temas que será tratado autonomamente, com dados objectivos, terá o seu epicentro na forma como foi avaliado e gerido o património da Casa Pia de Lisboa a partir do ano 2003).
Crise interna desencadeada a partir da denúncia pública de casos de pedofilia e de abusos sexuais, que ocorriam (dizia a comunicação social) ao longo de 25 anos e de que todos tinham conhecimento; um funcionário da Casa Pia de Lisboa e a uma rede de pedofilia que teria ramificações (talvez até a sua sede) na Instituição (ao longo desses anos teriam abusado de centenas de crianças). 
Não custa a entender o impacto que esta notícia teve na comunicação social mas será não só muito interessante conhecer os jogos e os meandros de concorrência e competição entre os grupos de comunicação social quanto ter uma ideia precisa do que, na altura, se considerava jornalismo de investigação.
Façamos um pequeno desvio na narrativa com o objectivo de se perceber o contexto político e institucional em que se vivia no ano de 2002 e pondere-se na qualidade (ou falta dela!) das orientações políticas (tendo presente o aparente desconhecimento da actividade da Casa Pia de Lisboa pelo ministério da tutela[12]) para organização do plano de actividades da Casa Pia de Lisboa para o ano de 2003[13].
3. Aproximação ao ambiente social da Provedoria de Catalina Pestana
O papel[14] (desmesurado e desnorteado) da comunicação social assente algumas vezes em afirmações e convicções que aparentemente não podiam ser contestadas (esperemos que venham a ser confirmadas pelo resultado final do processo; caso contrário, deverão entendidas como precipitadas, intencionais ou outra coisa qualquer, dada a qualidade de quem as proferiu[15] através da mesma comunicação social[16]), abriu uma novela (com centenas de episódios) de uma casa, dita casa de horrores[17].
Esta novela com um guião construído e explorado a partir daquela denúncia da existência de casos de pedofilia[18] -  curioso é olhar, por um lado, para o papel desempenhado pelos actores principais ao longo do processo e, por outro lado, fixar que o termo pedofilia era praticamente desconhecido da sociedade portuguesa - relacionados com uma "afirmada" existência de uma rede nacional e internacional[19] de abusadores; a convicção é que existia uma rede e que esta tinha o seu "supermercado"  na Casa Pia de Lisboa[20]A política, a investigação e a justiça ficaram de cabeça perdida perante a onda avassaladora da comunicação social e a Casa Pia de Lisboa passou a concentrar em si todos os males da sociedade portuguesa (as sociedades sempre criaram os seus "bodes expiatórios").
Foi assim que nos anos de 2003 e de 2004, se constituiu o denominado "Processo Casa Pia" (primeiro apelidado de "Escândalo Casa Pia")  através de verdadeiras sagas justiceiras e de caça às bruxas: as crianças e os jovens que frequentavam os diversos Estabelecimentos da Casa Pia de Lisboa (no ano lectivo de 2002/2003 cerca de 4700 (650 educandos acolhidos em Lares/Residências)), os profissionais que mantinham a Casa Pia de Lisboa em funcionamento nada interessavam; chegou a afirmar-se que o importante seria fazer implodir a Casa Pia de Lisboa. 
Se nesses anos de 2002 e 2003, faltou conhecimento, saber e sangue frio, nos anos seguintes deveria ter sido impositivo que em Portugal, a partir do “Processo Casa Pia”, se tivesse questionado primeiro o papel do Estado e depois o funcionamento das instituições vocacionadas para a protecção de crianças e jovens em perigo, para que se respirasse liberdade e ficasse clara e visível a responsabilidade dos cuidadores e sobretudo dos decisores políticos[21]A verdade é que foi apenas a Casa Pia de Lisboa que mais uma vez se antecipou aos acontecimentos e era a única Instituição que, no ano de 2005, tinha um projecto coerente e fundamentado de reestruturação que não foi conduzido a "bom porto". Deve ficar claro a intenção declarada da Provedoria de Catalina Pestana de dar todo o apoio ao desenvolvimento desse projecto de reestruturação: alguém, com responsabilidades, não soube ou não quis que acontecesse. Mas também, teria sido impositivo que não só ficasse visível a negligência das entidades responsáveis institucionais (conhece-se desde quando existe, quem foram os seus responsáveis e o que fez  a "Comissão Nacional das Crianças e Jovens em Risco, ao longo dos seus anos de existência?) pelo sistema de protecção e crianças e jovens em risco e em perigo quanto tudo se promovesse para fazer justiça às vítimas e punir os culpados[22]
Outras entidades com responsabilidades fizeram promessas bem intencionadas, mas os resultados nunca apareceram. Diga-se em abono da verdade que o Instituto da Segurança Social desatou a correr atrás do prejuízo e desencadeou um conjunto de medidas, desde a organização de Manuais de Qualidade até a programas específicos (Plano de Intervenção Imediata, Plano Dom, Diplomas Legais, Construção de Novos Equipamentos, Equipas de Gestão de Vagas, por exemplo); mas (abusivamente porque desvirtuava a matriz institucional) com um aproveitamento inusitado da Casa Pia de Lisboa para resolver problemas de jovens cujas problemáticas sociais aconselhavam que o seu encaminhamento fosse para outro tipo de Instituição. 
4. Justiça
Pensemos (com o tempo que cada um de nós quiser disponibilizar) no que deve entender-se por responsabilidade dos cuidadores e deixemos a “marinar” a negligência dos responsáveis institucionais e políticos com realce para os responsáveis pelo funcionamento do sistema de justiça. Aguardemos com serenidade pelo resultado final do processo para poder escrever e falar sobre este assunto.[23], embora quatro questões nos possam deixar incomodados e apreensivos relativamente às sentenças ditadas no "Processo Casa Pia".
A primeira, todos os acusados estão condenados e a sociedade fica satisfeita porque não tolera este tipo de crimes. A segunda, a convicção dos juízes formou-se com provas factuais mas sobretudo com o valor que lhe imprimiram as provas testemunhais (o termo adequado e na moda será "ressonância da convicção"?) descritas umas em sede de decisão instrutória dos factos e outras em sede de julgamento[24]. A terceira, haverá algo (perante um processo tão complexo e longuíssimo) que impeça que o tribunal da Relação fique impedido de mandar reapreciar alguns factos novos e tenha apenas de apreciar as questões de direito? Não é o bom senso da lei que ensina que antes um culpado à solta que um inocente condenado? A quarta, será que foi feita justiça a todas vítimas?
Exemplifiquemos, a título de exemplo, porque é que estas questões podem ser preocupantes, explicitando algumas afirmações da juíza de instrução do processo e que, aparentemente, também poderão ter contribuído para a formação de convicção dos juízes: 
 - fala na “intoxicação mediática” que terá atingido as próprias testemunhas mas diz não haver dúvidas sobre abusos sexuais a que os jovens tenham sido sujeitos; e, numa atitude de muito bom senso e equilíbrio, afirma que “a questão primordial e difícil é a de determinar se os ofendidos acertaram na identificação dos agressores”.
- sublinha que nos crimes sexuais as declarações dos ofendidos assumem sempre um cariz primordial e por isso desvaloriza as contradições evidenciadas nos diversos depoimentos bem como e até algumas imprecisões mas descrições das casas onde terão decorrido os abusos, por exemplo;
 - não tem dúvidas em rejeitar que o facto de alguns jovens serem prostitutos os torne menos credíveis;
 - não tem dúvidas em valorizar, expressamente, a abonação que foi feita por alguns profissionais e com realce especial para a abonação feita por Catalina Pestana e por Pedro Strecht[25].
Muita água passará debaixo das pontes antes que tudo se esclareça.
5. Património Imaterial
Porém, dez anos passados e no momento em que o empobrecimento aumenta de forma exponencial (com cariz específico em contextos urbanos) e em que muitas famílias (muitas da dita classe média frágil)  tentam apenas sobreviver, o que é importante é:
-  saber se a Casa Pia de Lisboa já tem algum projecto para o futuro (inovador e criativo) para intervir junto de crianças e jovens em risco e em perigo;
 - saber se neste projecto está devidamente contemplada a recuperação de oferta de ensino técnico e profissional (hoje em Portugal há 125000 jovens, com menos de 25 anos, desempregados);
- saber se esse projecto respeita a matriz base da Casa Pia de Lisboa - instruir, educar, amparar -;
- saber se os excelentes profissionais da Casa Pia de Lisboa estão envolvidos na concepção e no desenvolvimento do projecto;
 - saber se as Instituições Casapianas participam nesse projecto;
- saber se esse projecto tem as bases (materiais e imateriais) de sustentabilidade; 
 - saber quais as garantias desses dois tipos de sustentabilidade;
- saber se a liderança do projecto está em boas mãos e em cabeças saudáveis;
 - saber quais as entidades com quem se pretende estabelecer protocolos que apoiem e  que façam uma supervisão prudencial da a liderança desse projecto.
Se a Casa Pia de Lisboa não tem esse projecto de futuro, então não só já se perdeu o sentido de responsabilidade quanto se perdeu o decoro e o sentido ético para reagir e denunciar o grave atentado ao património imaterial de uma Centenária Instituição Portuguesa na intervenção social, educativa e de ensino junto de crianças e jovens com necessidades especiais ou específicas, em Portugal. 
Quem já entendeu o que se está a passar que se chegue à frente porque a actividade da Casa Pia de Lisboa é sempre necessária mas é sobretudo necessária em tempos de crise e de emergência social: nestes tempos difíceis, de pobreza e de austeridade, o elo mais fraco são sempre as crianças e os jovens.

Este é o tempo em que a Casa Pia de Lisboa deve ter um papel preponderante, no sentido em que deve saber contrapor às questões de ordem técnica e financeira que geram austeridade e mais desigualdade, medidas de natureza social que garantam o presente e que abram oportunidades de futuro.
Chega de palavras, é preciso agir.
Com qualidade!








[1]Em 28 de Novembro de 2002, Costa Andrade, professor de Direito Penal, em entrevista à TSF, lamenta o sucedido na Casa Pia e diz que os políticos que tiveram conhecimento dos factos também têm que ser punidos. 
[2]Nesta Provedoria de J. Francisco Rodrigues aconteceram e devem ser esclarecidas, de forma muito clara, as ligações da Casa Pia a instituições americanas e a sua ligação com redes de pedofilia e ainda as possíveis ligações às actividades do chamado “Ballet Rose” em 1967. Noticiava o Jornal “Correio da Manhã”, no dia 08 de Dezembro de 2002, que “O antigo capelão da Casa Pia de Lisboa, António Emílio Figueiredo, 76 anos, garantiu ao Correio da Manhã que foi demitido da Instituição, por ter denunciado um americano envolvido num caso de pedofilia com rapazes do Colégio de Pina Manique, o mais antigo conhecido até ao momento”.
[3]Em 3 de Fevereiro de 1976, em reportagem no jornal A Capital, Óscar Mascarenhas revela  que o Provedor Pereira Neto denunciou “uma estranha “exploração” de crianças – escolhidas a dedo – para a América, através de um tal Robert Kenneth em nome da organização (…) American Medical Aid for Children Overseas Inc. Os fins desta exportação eram perfeitamente inconfessáveis, tendo já sido accionado em juízo um antigo Provedor (…) o qual viu arquivado o processo por ordem do antigo ministro Baltazar Rebelo de Sousa e que reabriu por proposta de uma recente comissão de Sindicância”.
[4]Sugere-se uma especial atenção a esta Provedoria. Há casos que ninguém quer esclarecer. Porque é que este Provedor foi nomeado e quais as razões que determinaram o fim do seu mandato?
[5]Transcreve-se, pelo interesse que reveste, o comunicado à imprensa feito pelo Provedor Luís Rebelo quando, através da televisão, foi demitido pelo Ministro Bagão Félix, em Novembro de 2002. “Senhores jornalistas. 1. Nos últimos dias a CPL e a minha pessoa têm vindo a ser julgados e desconsiderados na Praça Pública de forma que considero indigna. 2. Não podia, por isso, deixar de, serenamente, fazer a defesa da minha honra e do trabalho que realizei à frente desta Instituição durante 17 anos. Assumi funções como Provedor da Casa Pia de Lisboa em Abril de 1986. 3. Quanto ao assunto em causa apenas refiro o seguinte: a) Contrariamente ao que levianamente se tem dito, fui eu, enquanto Provedor desta Instituição, o único responsável que alguma vez puniu severamente o funcionário Carlos Silvino da Silva durante os 27 anos que trabalhou na CPL; b) Por duas vezes lhe instaurei processos disciplinares que conduziram ao seu afastamento desta Instituição; c) Da primeira delas, ocorrida em 1989, o Supremo Tribunal Administrativo ordenou a sua reintegração no serviço e o pagamento dos ordenados que até então não lhe tinham sido pagos; d) Descontente com a decisão do STA, embora respeitando-a, propus à tutela em Junho de 1991, que transferisse o funcionário em causa para um dos múltiplos serviços ou Organismos dependentes da Secretaria de Estado da Segurança Social, onde não pudesse ter quaisquer contactos com menores; e) Este pedido, após troca de vária correspondência, não teve deferimento; f) Face a esta inevitabilidade, a Provedoria da CPL decidiu colocar o Carlos Silvino ao serviço da Provedoria, onde não tinha acesso directo aos menores; g) Só no corrente ano voltámos a ter conhecimento de factos que indiciavam a prática de actos pedófilos por aquele funcionário, pelo que, de imediato, lhe mandei instaurar novo processo disciplinar do qual resultou o seu afastamento definitivo da Instituição por aposentação compulsiva; h) Dos factos ocorridos na década de 70 não tenho qualquer responsabilidade; i) Lamento profundamente que esta casa tenha sido vítima desta triste história; j) Lamentando também que esta Instituição, que tanto acarinhei e por que tanto lutei, tenha sido tão desrespeitada por algumas pessoas, essas sim, que, conhecedoras de factos, os tenham reservado para si durante 25 anos; l) Para tudo o resto remeto-vos para o comunicado ontem assinado por todos os dirigentes do Universo Casapiano; m) Todos estão aqui e poderão testemunhar da veracidade das minhas afirmações; n) Solicitei à tutela actual, a minha aposentação em 14 de Outubro deste ano, que foi concedida pela Senhora Secretária de estado da Segurança Social em 23 do mesmo mês. 4. Às vítimas dos actos lamentáveis do Carlos Silvino da Silva e às famílias dos menores, deixo a minha mais sincera solidariedade na justiça, contra o autor dos crimes.  
[6]No dia 3 de Julho de 1991, a Casa Pia de Lisboa foi condecorada com a Ordem da Instrução Pública pelo Presidente da República, Dr. Mário Soares (ver Revista da Casa Pia de Lisboa, nº 8, Dezembro de 1991). Na altura declarou: “Meus caros casapianos, actuais e antigos. Uma Instituição que tem 211 anos e que sempre esteve ao serviço da instrução, sempre a amparar as crianças desfavorecidas que não tenham família ou famílias com pequenos recursos e, portanto, fez uma obra de solidariedade e de assistência e sobretudo de preparação de rapazes e de raparigas para a vida. Uma Instituição com passado, embora tendo conhecido altos e baixos, momentos de grandeza e momentos infelizes como sucede com todas as instituições humanas. Aquilo que fez no passado e o que está fazendo no presente é garantia da confiança que nela deposito por aquilo que vai fazer no futuro. Uma das coisas que mais me impressionou foi justamente esta solidariedade dos antigos alunos para com os mais jovens, que triunfaram na vida, que foram e são ilustres nas suas profissões. Saíram daqui e não esquecem a Casa onde foram formados e a que se sentem afectivamente, ligados”.
[7]Atente-se em duas pequenas partes de uma intervenção da Dr.ª Manuela Eanes num encontro realizado na Casa Pia de Lisboa e publicada no nº 13 (Junho de 1994) e que se transcrevem: “Eu gostei muito de ouvir as várias intervenções e realmente sentir através da explicação que se fez, dos vários projectos, desde o Conhecer para Gostar até ao dos Lares, o Curso de Panificação e de Pastelaria, e todo o processo educativo que aqui foi referido, porque, além de ser visível a competência que as pessoas põe no trabalho que estão a fazer, não o fazem só apenas para cumprir horários, mas fazem-no com toda a sua sensibilidade e com todo o seu empenhamento”. (…)
Eu penso que aqui, através deste sistema (Casa Pia), que está a ser corrigido todo este aspecto e às vezes é pena que todo este trabalho que se faz, e eu estou muito à vontade, porque conheço muito bem o antes e o depois, penso realmente que a Casa Pia, tem um nome feito em toda a área da educação, da profissionalização e da dignificação das pessoas, inclusivamente de pessoas de quem somos amigos e que foram alunos desta casa, estou a pensar concretamente – Dr. Morbey Rodrigues, Soares Louro, etc. – e realmente a Casa Pia, tem todos estes anos, com um trabalho extremamente dinâmico e competente, mas também me lembro de ter havido aqui (numa visita oficial) até um Levantamento de Rancho. Nessa altura havia problemas, não por força das pessoas que aqui estavam a trabalhar, mas concerteza por muitos problemas que havia na época…e, enfim, todos nós na vida e até as Instituições têm altos e baixos. É muito bom sentir, que, neste momento, por grande empenhamento das pessoas que estão nesta grande equipa que está à frente da Casa Pia, realmente fez este trabalho tão importante, como as intervenções da tarde que me foi possível verificar. Portanto, estou aqui também convosco, a partilhar com a minha sensibilidade mas com muito agrado, este trabalho tão importante que estão a fazer”.
[8]Lê-se na acta do Conselho Técnico – Administrativo e Conselho de Ex-alunos da Casa Pia de Lisboa, de 12 de Abril de 2000: “Relativamente ao sexto ponto, o Sr. Director do Colégio de Pina Manique, (…) deu a ler a todos os presentes um documento que encerrava uma proposta de sua autoria, relativamente à identificação e resolução de problemas disciplinares detectados no Colégio de Pina Manique. O Sr. Dr. (…) após a leitura referiu que a CPL perdera “a idade da inocência. O Sr. Provedor interveio, no sentido de afirmar que há vários anos se “pressentiam” os fenómenos relatados no documento, mas que as medidas propostas têm de ser analisadas com alguma cautela e não podem remeter pura e simplesmente para a expulsão dos alunos implicados; a gestão destas situações requer muita prudência e deve ser enquadrada em contextos de comprometimento de outras entidades e sempre numa perspectiva de articulação das acções a desenvolver. O Sr. Capelão referiu que no início deste ano lectivo terá ocorrido um agravamento das situações de conflito no Colégio de Pina Manique, por via da ausência da figura do Director. Lembrou que o acompanhamento psiquiátrico, nalguns casos, teria eventualmente evitado algumas situações mais graves e reforçou a disponibilidade dos capelães dos Colégios para acompanhar e apoiar os alunos internos. A Dr.ª (…), interveio, sublinhando que as medidas a tomar não podem remeter exclusivamente para o exterior, a solução tem devir de dentro da Instituição que não pode ser selectiva. São estas crianças e jovens que temos de trabalhar. O Dr. (…) salientou a importância do documento, que deve ser visto como uma proposta de reflexão, de trabalho e de prevenção deste tipo de comportamentos, realçando que os casos que chegam à CPL para internamento são resultante de problemáticas muito variadas no âmbito familiar, social e até de saúde mental. Sublinhou a necessidade da Instituição ter consciência plena dos educandos que tem no internato e de que a CPL é uma Instituição de prevenção da exclusão social. Se para alguns educandos, a CPL não tem resposta, há que procurar percursos alternativos através de acordo com outras Instituições reforçando a componente referente à saúde mental e da orientação escolar dos educandos confiados à Instituição, criando propostas alternativas de percursos escolares mais adequados aos interesses/necessidades dos alunos. (…) Reforçou a importância das equipas educativas dos Lares, lembrando que por vezes estas são insuficientes em número e em competência. Sublinhou o papel dos Directores na promoção da acção educativa no internato nos seus diversos aspectos.”
[9]Conferir, Dossiê Casa Pia, (Coordenação Ana Isabel Abrunhosa), Temas e Debates, Lisboa, 2004, pp. 96 e 97: “ O telefonema de um anónimo, um “homem, maduro”, que se diz “ex-aluno da Casa Pia” dá a primeira pista do processo mais mediático dos últimos anos…”. Tinha medo de quê ou de quem, para ter de recorrer a um telefonema anónimo? Poderia ter feito este telefonema mais cedo ou não? E porque é que só se lembrou de fazer o telefonema nesta data?
[10]Jogos do poder, aparentemente também, de  guerrilhas de política nacional.
[11]Considere-se, por exemplo, o interesse manifestado, em 2002, pelo Ministério da Cultura na cedência espaços da Casa Pia de Lisboa: do Colégio de D. Maria Pia para alargamento do Museu do Azulejo; do Colégio de Pina Manique (cedência do edifício da antiga Biblioteca Museu; e, pasme-se, a cedência ao Mosteiro dos Jerónimos dos quadros “Galeria dos Reis de Portugal”. (Atente-se que se este conjunto de quadros não tivesse sido preservado pela Casa Pia de Lisboa, há muito teria desaparecido. Acresce que grande parte dos quadros foram mandados executar após a ida da Casa Pia para o edifício do Mosteiro dos Jerónimos sendo autores de alguns deles ex-alunos da Casa Pia de Lisboa).
[12]Transcreve-se uma notícia, publicada em 13 de Dezembro de 2002, no Jornal “Correio da Manhã”: “O bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice, acusou ontem a direcção da Casa Pia e os sucessivos gabinetes ministeriais de serem os responsáveis pelos casos de pedofilia no âmbito da Casa Pia e saiu em defesa das magistraturas que,juntamente com outros profissionais da justiça, “estão a ser transformados em bodes expiatórios da ineficácia de outros sistemas”. Pois claro...todos pretendiam lavar a água do capote.
[13](Ofício 19. Ago. 02 04537 do gabinete da Secretária de Estado da Segurança Social dirigido ao Provedor da Casa Pia de Lisboa) (…) “A proposta de plano de actividades para o ano de 2003 deverá ser entregue no Gabinete de Sua Excelência a Secretária de Estado da Segurança Social até 16 de Setembro e deverá ter em conta as seguintes preocupações: 1. As restrições orçamentais impostas para o exercício de 2003, ao nível da despesa corrente e de investimento; 2. As fragilidades existentes ao nível de sistemas de informação e de estatística com incidência no acompanhamento da actividade e de suporte à gestão; 3. As fragilidades (quando aplicáveis) existentes ao nível de atendimento aos cidadãos, enquanto beneficiários e contribuintes; 4. A necessidade de dotar (quando aplicável) o sistema de segurança social, em geral, e a Casa Pia de Lisboa, em particular, de maior eficiência e capacidade respectivamente na operação e na gestão.
Os projectos e as acções que pela sua dimensão requerem um período de implementação superior a um ano devem ser identificados de carácter plurianual. As acções que requerem a intervenção de outras Instituições do sistema devem ser estudadas em conjunto e apresentadas em ambos os planos de actividade. Do Plano de Actividades deverão constar os seguintes capítulos: diagnóstico, evolução, objectivos e resultados nos diversos domínios a tratar”.
[14]Nem por sombras alguém retire que se pretende desvalorizar o papel da comunicação social na denúncia pública de casos de abusos de crianças. Apenas se contesta vivamente, o excesso, o aproveitamento e a falta de deontologia profissional e, mais nada. Um documento excepcional para o confirmar, é constituído pelas notícias publicadas no Jornal “Correio da Manhã” sobre este assunto entre 22 de Novembro de 2002 e 20 de Julho de 2005. Só, por si, merece um estudo aturado e que em tempo será publicado.
[15]Pondere-se nas seguintes afirmações de José António Saraiva em 2004 Director do Jornal Expresso: “Com todos os erros que os media cometem – e são muitos – de uma coisa nos orgulhamos: denunciámos um escândalo que há mais de vinte anos se desenrolava atrás das paredes espessas da Casa Pia com a cumplicidade de muitos e perante a incúria criminosa de vários governos. Sem as notícias do Expresso e da SIC, as violações provavelmente ainda hoje continuariam na Casa Pia de Lisboa”.
[16]Atente-se em afirmações produzidas na SICN, em 2004, pelo Dr. Mário Soares: "A serenidade é desejável, fazer apelos à serenidade, eu tenho que aplaudir necessariamente e à confiança também o faço, agora isso não pode é legitimar - estou a falar agora em abstracto - que se perca o espírito critico ou que pessoas sejam cegas para a realidade, a realidade tem que ser vista tem que ser encarada. O que se passou com o processo da Casa Pia é realmente uma vergonha nacional", afirmou, garantindo que o caso se tornou "numa máquina de fazer ganhar dinheiro aos media".  
[17]Numa perspectiva positiva e serena, leia-se a reportagem de Felícia Cabrita, French Connection, publicada na revista “Grande Reportagem” de 04 Setembro de 2004 pp. 21 a 28. Na capa da revista lê-se: “Casa Pia até Paris”. Trata-se de um artigo que, mesmo assim, merece algumas reservas: entre outras, como é que, por exemplo, foi possível aceder aos processos individuais dos ex-alunos?
[18]Conferir Nuno Ivo/Óscar Mascarenhas, A Nuvem de Chumbo, Publicações D. Quixote, Lisboa, 2003, pp. 19 e 20: “Quando, em 22 de Novembro de 2002, a SIC noticiou que uma investigação conjunta daquele canal televisivo e do semanário Expresso descobrira que centenas de jovens poderiam ter sofrido anos de abusos sexuais, às mãos de um funcionário da Casa Pia de Lisboa, pouca gente se deve ter apercebido das proporções que as coisas iriam tomar. Sábado pela manhã, o Expresso terá ganhado uma série de leitores pouco habituais. Uma reportagem de Felícia Cabrita com chamada de primeira página referia a existência de inúmeros casos de abusos sexuais e violações de menores entregues à guarda da Casa Pia e aos cuidados de Carlos, um funcionário ainda sem apelido e com múltiplas atribuições profissionais: motorista, segurança, guarda, contínuo, animador, etc. De súbito, de casa pouco vigiada ia passar a ser a casa mais observada do país. Uma casa de horrores, onde anos a fio muitos meninos não puderam ser meninos. Para já, só era relatada a actividade isolada de um indivíduo, mas cedo a história ganharia contornos tentaculares. Na aparência, um polvo insidioso, e com mais braços do que permite a natureza, ia tornar-se o acontecimento mais marcante do ano. Nesse dia, Carlos Silvino da Silva, de alcunha “Bibi, e Pedro Namora, advogado e ex-aluno da Casa Pia, fazem a sua entrada em cena. Daí em diante serão poucas vezes em que não estarão nas luzes da ribalta. Nesse sábado, porém, quem tem a parte de leão na história é um rapaz de quem ainda não se sabe o nome”.
[19]A ideia de que a rede estava sedeada na Casa Pia de Lisboa (estavam presentes os acontecimentos ocorridos nos anos de 1974 a 1982) levou não só a atitudes mirabolantes quanto a afirmações ridículas ainda que feitas a partir de fundamento extrapolado.
[20]Em 29 de Novembro de 2002, o Procurador-geral da República, Souto Moura, anuncia que será instaurado um processo de investigação sobre todos os factos relativos à Casa Pia desde 1981. Aqui está uma questão muito importante que deve ser analisada. Porquê a partir desta data? Considere-se, para efeitos de resposta, a notícia publicada no jornal “Correio da Manhã”, de 29 de Novembro de 2002: “O Procurador-Geral da República (PGR) anunciou ontem à noite, em entrevista à RTP, que vai ser instaurado um processo de investigação sobre todos os factos relativos à Casa Pia, desde 1981. Em entrevista ao canal público, Souto Moura, esclareceu que, apesar de ter prescrito tudo o que diz respeito a antes de 1995, não podendo por isso ser utilizado em tribunal, importa reunir todos os dados disponíveis, para descobrir os culpados.”
[21]É imperativo, neste domínio, conhecer e estudar relatórios de levantamento boas práticas no acolhimento residencial e em meio institucional de crianças e jovens; por exemplo, o relatório do “Projecto Quality 4 Children”.
[22]Que entidades institucionais tiveram conhecimento dos acontecimentos ocorridos na Casa Pia e se calaram? Que tipo de crimes foi amnistiado em 1999? Quem propôs e quem promulgou essa amnistia?
[23]Considere-se a segunda parte do comentário de opinião de José Leite Pereira, publicado no Jornal de Notícias em 29 Agosto de 2010: “Do caso Casa Pia sai mal a Política também, porque muitos políticos não tiveram pejo em utilizar a justiça para o combate político. E sai mal a Imprensa que, por não estar habituada a processos desta dimensão e profundidade, não soube distanciar-se e ajudou não apenas ao combate político, que não lhe compete, como alimentou o voyeurismo em que muitas pessoas foram torrando sem grande hipótese de defesa. Alguns julgamentos que foram feitos na praça pública, por interesses menos bem definidos ou por pura incúria, tiveram vezes demais, o incentivo de uma Imprensa mais interessada em comercializar escândalos do que em ajudar a apurar a verdade. Hoje, longe de vivermos no Paraíso, estamos, porém, num estádio em que a alguma Imprensa já recusa cometer os mesmos erros e é mais crítica de si própria. Por fim, a própria instituição Casa Pia: que bom seria que, oito anos depois, todos pudéssemos confiar que as crianças entregues ao Estado, naquela ou noutras instituições, estão seguras, certamente resguardadas dos sofrimentos que para ali as atiraram e protegidas dos males que outros, abusando da sua inocência e incapacidade de defesa, lhes incutem. Poderemos confiar?”.
[24]Leia-se, a título de exemplo e com a atenção que merece, uma pequena parte (em versão jornalística) da decisão instrutória e perceba-se através de ligeiros comentários quão pouco rigorosas são algumas afirmações. A primeiraAté 2002,os alunos internos residentes nos lares ficavam entregues a uma equipa de educadores que nunca pernoitava. Entre as 22 horas e as 7 horas do dia seguinte, ficavam ao cuidado de um monitor que em regra, era um aluno mais velho, sem nunca ultrapassar a idade de 21 anos de idade. Era ele que tentava gerir e ordenar a vida de cada lar, enfrentando dificuldades, sobretudo no que concerne à manutenção da disciplina.” Falso: é verdade que existiam monitores entre as 22 horas e as 7 horas do dia seguinte mas integravam a equipa de educadores, equipa esta que articulava com uma equipa técnica e ambas as equipas reportavam directamente a um assessor da Direcção do Colégio e tal poderia ter sido confirmado directamente no “manual de gestão dos lares” onde as funções de todos estavam claramente definidas; é verdade que alguns monitores eram alunos mais velhos mas não era essa a regra, a regra era não serem alunos da Casa Pia mas sim alunos que frequentavam o ensino superior em cursos relacionados com áreas sociais e, claro, muitos tinham muito mais de 21 anos de idade.
A segunda afirmação:Até o pessoal docente e o corpo de funcionários eram recrutados sobretudo entre ex-alunos, o que perpetuava hábitos e práticas, originando “a repetição de modelos comportamentais e pedagógicos pouco adequados”. Falso: os professores eram recrutados, anualmente, através de concurso público.
A terceira afirmação:A CPL dispunha também de um corpo clínico, que realizava controlos analíticos periodicamente, entre os quais a despistagem de HIV, hepatites e outras doenças sexualmente transmissíveis. Os resultados eram arquivados nos processos individuais dos jovens a que o arguido Manuel Abrantes “tinha fácil acesso” pela sua qualidade de provedor adjunto. Ficava, assim, a conhecer o estado de saúde de todos os alunos internos. Na Provedoria funcionava um serviço de saúde onde eram referenciadas todas as situações de doença detectadas, assim como todos os resultados de controlos analíticos tidos por anormais”. Falso: é verdade que se faziam os ditos testes e quando casos graves eram detectados o médico - chefe em articulação com o médico do Colégio, informava a Direcção do Colégio no sentido de se agir correctamente perante a situação detectada; mas não é verdade que o Provedor Adjunto para a área administrativa tivesse fácil acesso a esta informação; devia ter-se provado que assim era e não ter resistido à tentação de especular.

[25]Pedopsiquiatra que encaminhou Francisco Guerra, uma das vítimas e das principais testemunhas, para a Casa Pia de Lisboa; pedopsiquiatra que colaborou com a Casa Pia de Lisboa desde o ano de 1996/7. Diz este médico, num se texto muito interessante publicado em 2004,“Onde mora o coração: trabalho terapêutico nas instituições”: (…) “O número de crianças e adolescentes que, em Portugal, vive em instituições residenciais é muito grande e, com certeza, será maior nos anos que se seguem; os últimos números apontam para um número de 20 000 casos. Dados tanto mais impressionantes quanto sabemos que esta é, de uma forma geral, a última das medidas habitualmente tomadas para proteger crianças privadas de meio familiar adequado, diga-se suficientemente envolvente, protector, onde a criança encontre uma segurança e uma referência básicas que lhe permitam construir uma identidade individual e social assente numa forte noção de pertença; e, por isso ainda, meio considerado não intrusivo, de abandono, negligente ou abusivo. (…) A necessidade de apoiar estas crianças e adolescentes através de uma colocação institucional, quer seja transitoriamente, quer de forma mais duradoura, é inequivocamente preocupante, porque o modelo de resposta que existe não só não chega para o número de casos em que é preciso intervir, como não se adaptou, do ponto de vista terapêutico, às novas necessidades psicossociais deste grupo de rapazes (são quase sempre mais rapazes) e raparigas cujos trajectos iniciais de vida foram sistematicamente marcados de forma afectivamente negativa. Estes aspectos são ainda mais evidentes no caso das respostas para adolescentes rapazes com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos, onde existe um verdadeiro buraco negro de respostas eficazes.”
Este excerto do texto merece três comentários simples: o primeiro, para realçar a objectividade com o que o problema é abordado e a importância que teve para algumas mudanças que hoje já se sentem no sistema de protecção de crianças e jovens em perigo; o segundo, para confirmar que o número de crianças e jovens (acolhidos em instituições) era desconhecido do sistema de promoção e protecção e cada um atirava números para o ar; o terceiro, para dizer que seria muito importante conhecer alguma proposta que o referido pedopsiquiatra tenha feito à Direcção da Casa Pia de Lisboa, no sentido de serem alteradas as directivas (sociais, educativas e de funcionamento) desenvolvidas nos Lares e nas Residências da Casa Pia de Lisboa para crianças e jovens em perigo. Um médico pedopsiquiatra, com formação específica adequada, e que regularmente e durante vários anos, acompanhou algumas das vítimas do processo judicial nunca se apercebeu de algo anormal? Será possível? Não parece ser estranho, tendo em conta as declarações que  fez no início e durante o processo? 

Comentários

  1. Gostei muito do seu artigo sobre a casa pia. Um colégio que devia ser um exemplo, tal como os Colégios Lisboa para a sociedade e anda sempre na boca da imprensa pelas piores razões

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